Existe relação entre os hábitos alimentares, a prática de esportes e a saúde bucal sem que necessariamente estejamos falando sobre a cárie? Sim, existe esta relação e vamos falar um pouco sobre as lesões não cariosas (LNC). Estas LNC envolvem a perda dos tecidos duros dentários (esmalte e dentina), especialmente o esmalte, e apresentam causas variadas.
Dentre as LNC, vamos conversar mais detalhadamente sobre a erosão do esmalte e a saúde bucal. Na Odontologia, o termo erosão está relacionado à perda do esmalte dentário ocasionada por agentes ácidos. Na verdade, os ácidos, por si só, não são capazes de promover esta perda do esmalte, mas sim responsáveis por um processo de perda mineral (desmineralização). Uma vez desmineralizado, este esmalte torna-se enfraquecido e extremamente susceptível a desgastes provocados pela escovação ou mastigação de alimentos duros, por exemplo.
Os ácidos responsáveis pela erosão têm origens variadas. O ácido clorídrico estomacal é o único de origem intrínseca, ou seja, proveniente do próprio organismo e chega à boca se há episódios de vômitos ou regurgitações. Os ácidos de origem extrínseca podem ser provenientes de medicamentos (vitamina C, aspirina) ou da dieta. Desta forma, os ácidos atuam como agentes agressores da estrutura dentária. Por outro lado, a saliva exerce função protetora destas estruturas por atuar como agente remineralizador e neutralizador do pH.
Observa-se que os indivíduos com estilo de vida mais saudável podem apresentar maior propensão ao desenvolvimento da erosão do esmalte. Afinal, há o consumo frequente de uma dieta rica em frutas, alimentos fibrosos, saladas temperadas com vinagres ou limão etc. Neste caso, claro que não podemos desestimular o consumo desta alimentação saudável, mas é necessária a orientação para o consumo racional das substâncias ácidas, consideradas potencialmente erosivas para auxiliar na saúde bucal. Outro detalhe interessante é que indivíduos que apresentam lesões erosivas costumam ser exímios escovadores.
Segundo Garone Filho & Silva (2008), 75% dos indivíduos que seguem uma dieta vegetariana apresentam erosão, pois os vegetarianos costumam fracionar a sua dieta em várias refeições ao dia, com alimentação à base de frutas cítricas e silvestres, alimentos fibrosos e duros (abrasivos). Os alimentos abrasivos são aqueles que exigem mais do ato de mastigar, como por exemplo, cenoura crua, rabanete, castanhas, granolas, pães muito fibrosos etc.
Claro que se deve estimular a ingestão de alimentos saudáveis para ajudar na saúde bucal, mas algumas dicas podem ajudar o consumo racional destes alimentos para evitar lesões erosivas. Assim, deve-se evitar o consumo ao mesmo tempo de um alimento abrasivo (áspero e duro) após a ingestão de alimentos ácidos ou consumir este alimento abrasivo antes do alimento ácido, por exemplo. Outra questão a ser considerada é que a escovação logo após a ingestão de algum alimento ácido não é indicada. Deve-se aguardar um período de até 30 minutos para que a saliva exerça naturalmente o seu papel protetor e a ação conjunta das cerdas da escova + os abrasivos presentes no creme dental + o agente ácido não atuem negativamente sobre os dentes por ação erosiva /abrasiva.
Ainda dentro do contexto do estilo de vida saudável, as atividades físicas provocam desidratação e redução do fluxo salivar. A associação baixo fluxo salivar e a necessidade natural da ingestão de líquidos cria uma condição favorável para o desenvolvimento de lesões erosivas, caso o esportista opte por bebidas ácidas.
O pH considerado crítico para desmineralização do esmalte dentário é 5.5, assim, a maioria dos sucos, bebidas esportivas, refrigerantes, alguns chás e os vinagres pertencem à categoria dos alimentos com potencial erosivo. Porém, não podemos esquecer que os produtos com pH baixo poderão ter maior ou menor potencial erosivo em função da concentração de cálcio, flúor e fosfato na saliva, no alimento ou no dente. Por exemplo, o iogurte é um alimento com pH ácido, mas não é erosivo porque apresenta grande quantidade de cálcio e fosfato.
Dentre os sucos de frutas naturais, o de limão é o de maior potencial erosivo. Com relação aos sucos ou chás industrializados, ainda há que se considerar a adição dos acidulantes. Uma maneira de diminuir ou mesmo anular o efeito erosivo de um suco pode ser misturar a fruta ácida a outra não ácida como o mamão ou abacate, ou ainda adicionar a fruta uma bebida naturalmente protetora como a soja ou derivados do leite. Ainda, o consumo da própria fruta, ao invés do suco, reduz o risco de erosão.
As águas aromatizadas merecem atenção redobrada, pois apresentam na sua composição o ácido cítrico. Os refrigerantes são também bebidas potencialmente erosivas (pH entre 2.5 e 3.5), mas aqueles à base de cola são ainda mais erosivos que os guaranás. Os chás prontos industrializados, por possuírem conservantes, dentre eles o ácido cítrico, apresentam pH elevado e são consideradas também bebidas com potencial erosivo.
As bebidas esportivas ou isotônicos são, na sua maioria, altamente erosivas. Neste caso, reforço o agravante de que a desidratação que ocorre durante os exercícios físicos leva à diminuição da salivação. Fazendo com que os dentes se tornem mais susceptíveis ao efeito erosivo. Um repositor natural interessante para atividades esportivas de intensidade leve a moderada é a água de coco por ser rica em água e sais minerais e livre do efeito erosivo.
Considerando ainda a prática de esportes, observa-se que atletas da natação que treinam em piscinas tratadas com cloro podem apresentar erosão do esmalte. Assim, o pH da piscina deverá ser verificado e ajustado diariamente com o objetivo de ficar em torno de 7.5, pois quando o cloro entra em contato com a água é formado o ácido clorídrico, potencialmente erosivo.
O objetivo não é abandonar os hábitos de vida saudável, o que interessa nestes casos é estar bem informado para que a alimentação saudável e a prática de atividades esportivas estejam associadas à prevenção de problemas bucais que possam estar correlacionados ao estilo de vida saudável.
Simone Xavier Silva Costa
CRO-SC 10.044
Doutora em Dentística Restauradora
Professora do curso de Odontologia da UNISUL
Especialista em Dentística Restauradora na Vitaclass Clínica Integrada de Saúde
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